Um dos achados mais incomuns da história da exploração polar aconteceu em janeiro de 2010, quando conservadores escavando na Antártida encontraram caixas de whisky e brandy soterradas no gelo na lateral da cabana do acampamento de Sir Ernest Shackleton. O tesouro, que incluía quatro caixas de whisky ou conhaque Mackinlay’s e uma única caixa de conhaque Hunter Valley Distillery, estava congelado desde 1907.



No início de 2007, o Antarctic Heritage Trust, uma instituição sem fins lucrativos com sede na Nova Zelândia, estava trabalhando para restaurar a cabana construída pela expedição de Sir Ernest Shackleton. Outras cabanas usadas por exploradores polares, como Carsten Borchgrevink, o Capitão Robert Falcon Scott e Sir Edmund Hillary, também foram restauradas e todas são mantidas pela AHT. Foi durante este projeto de restauração, o maior de conservação em clima frio do mundo, que eles fizeram essa descoberta surpreendente.
Nascido em 1874, Sir Ernest Henry Shackleton foi um explorador polar anglo-irlandês, uma figura central da Era Heroica da Exploração Antártica. Ele foi um homem curioso que tinha pouquíssimo treinamento formal como explorador. Aliás, carecia dos predicados básicos para uma expedição ao continente gelado: não gostava de gelo nem de cachorros, era impulsivo, teimoso e um adúltero contumaz. No entanto, era quase irresistivelmente carismático e um líder nato, do tipo que convence as pessoas de que ir à Antártida tomar sorvete é uma boa ideia. Além disso, Shackleton era um entusiasta do álcool.



Sua expedição mais famosa, a Transantártica Imperial (1914-1917), a bordo do navio Endurance, não atingiu seu objetivo de atravessar a Antártica, mas o explorador se tornou uma lenda por ter salvado toda a sua tripulação de 28 homens. Após o naufrágio do navio, a tripulação sobreviveu em blocos de gelo por meses antes de Shackleton e um pequeno grupo de homens viajarem 1.300 km de bote para buscar ajuda. A história de Shackleton é um clássico de resiliência e coragem, e ele é lembrado por seu caráter e sua capacidade de inspirar, em vez de por seus objetivos geográficos. Ernest Shackleton está enterrado na Ilha Geórgia do Sul.
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A história do whisky que acompanhou a expedição remonta a 1815, quando Charles Mackinlay registrou-se como comerciante de vinhos na Escócia. Em 1847, a empresa passou a adquirir e engarrafar suas próprias bebidas sob a marca “Original Mackinlay Scotch Whisky”. A marca se tornou famosa, em parte, por sua associação com a primeira expedição polar de Shackleton em 1907. Naquela ocasião, para reforçar o moral da equipe, Shackleton comprou 25 caixas do produto Rare Old Highland Malt da Mackinlay, um single malt whisky da destilaria Glen Mhor, para levar em sua tentativa de chegar ao Polo Sul. A expedição recuou a cerca de 156 km do polo para salvar a vida dos homens, mas ainda assim foi a mais próxima que alguém já havia chegado na época.

Para esses single malts, o processo de produção é relativamente simples e legalmente definido. As destilarias começam com uma safra de 100% de cevada que foi “malteada” (permitida a germinação parcial). Isso cria enzimas dentro da cevada que permitem que as proteínas amiláceas do grão sejam convertidas naturalmente em açúcares fermentáveis. Esses grãos são moídos, cozidos e depois fermentados com levedura para criar um líquido ligeiramente alcoólico. Na tradição escocesa, esse líquido é então destilado em lotes duas vezes em alambiques de cobre, permitindo que os destiladores concentrem o álcool no produto final e capturem seletivamente os elementos que desejam ter em seu whisky. Uma vez destiladas, as bebidas são maturadas por um mínimo de três anos em barris de carvalho antes de serem consideradas um single malt whisky. Para este blended malt whisky, um número de diferentes tipos de single malts são combinados para criar o perfil de sabor final desejado. É importante notar que isso é geralmente considerado de qualidade superior a outras ofertas de “blended whisky”, que também podem usar álcool de grãos crus em seu processo.




As cinco caixas de uísque e conhaque foram levadas para a Base Scott, da Nova Zelândia na Antartica, para conservação. Uma das caixas de uísque foi transportada de avião para a Nova Zelândia para ser descongelada cuidadosamente pela Trust em um ambiente especialmente construído e em uma galeria pública no Museu de Canterbury. Foram reveladas 11 garrafas do uísque de 114 anos, ainda envoltas em suas embalagens de papel e palha. Após uma delicada conservação, o então proprietário da Whyte & Mackay (que detém a marca Mackinlay’s) viajou para a Nova Zelândia para ver a extraordinária descoberta. Com a permissão do Governo da Nova Zelândia, ele transportou três garrafas em seu jato particular para a Escócia, para análise científica pela Whyte & Mackay e pelo The Scotch Whisky Research Institute.
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Em uma oportunidade única para o mundo do uísque, as garrafas foram submetidas a análises sensoriais e químicas para estabelecer o sabor e a composição de um produto fabricado um século antes. Em abril de 2011, o mestre master blender da Whyte & Mackay, Richard Paterson, recriou com sucesso uma réplica exata do uísque centenário e assim nasceu o Mackinlay’s Rare Old Highland Malt Whisky.

Sensorialmente, o Shackleton Blended Malt é oleoso e intenso. É um whisky equilibrado e muito agradável, com uma leve tendência para o vinho jerez adocicado. O começo é adocicado, mas o final se torna progressivamente mais frutado, com passas, pimenta do reino e cravo. É um perfil sensorial bem acessível, mas que, ao mesmo tempo, é atraente mesmo para o bebedor mais experiente.
De acordo com Stuart Bertram, diretor da Whyte & Mackay, “Richard construiu habilmente o Mackinlay’s Rare Old Highland Malt original, usando uma seleção escolhida a dedo dos melhores maltes das Highlands, permitindo que eles se casassem por um longo período para criar um blended malt contemporâneo e enigmático que é rico, robusto, com sussurro de fumaça (…). Com a acessibilidade de um blend e as credenciais artesanais de um malte, esta marca única e histórica busca trazer bebedores de destilados modernos para o scotch whisky, além de fornecer uma nova alternativa premium para os fãs de whisky”.
O whisky recriado foi lançado em 2011 como “Mackinlay’s Rare Old Highland Malt Whisky” e, em 2012, uma segunda edição, “The Journey”, foi lançada. As vendas de ambas as edições geraram doações significativas para a conservação da cabana de Shackleton. A descoberta foi tema de um documentário, de um livro, “Shackleton’s Whisky” de Neville Peat, e de várias reportagens na mídia em todo o mundo. Uma porcentagem das vendas da réplica do uísque é revertida diretamente para o fundo de conservação da cabana de Shackleton. As três garrafas originais foram devolvidas à instituição em 2013 pelo Primeiro-Ministro da Nova Zelândia




Crédito das fotos: www.dramface.com