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Blog da Gabi ;)

Divagações, citações, fotos, livros e viagens. Amigos, família, planos, projetos, música. Opinião, conversa pra jogar fora, vontade de escrever.


23.8.08

Procura da Poesia

Carlos Drummond de Andrade

não fa�as versos sobre acontecimentos.
não h� criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida � um sol est�tico,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
não fa�as poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confort�vel corpo, tão infenso � efusão l�rica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equ�voco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não � poesia.

não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não � o movimento das m�quinas nem o segredo das casas.
não � música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto � linha de espuma.

O canto não � a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperan�a nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

não dramatizes, não invoques,
não indagues. não percas tempo em mentir.
não te aborre�as.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusóes, vossos esqueletos de fam�lia
desaparecem na curva do tempo, � algo imprest�vel.

não recomponhas
tua sepultada e merenc�ria inf�ncia.
não osciles entre o espelho e a
mem�ria em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
L� estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não h� desespero,
h� calma e frescura na superf�cie intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicion�rio.
Convive com teus poemas, antes de escrev�-los.
Tem paci�ncia se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de sil�ncio.
não forces o poema a desprender-se do limbo.
não colhas no chão o poema que se perdeu.
não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitar� sua forma definitiva e concentrada
no espaão.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terr�vel, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda �midas e impregnadas de sono,
rolam num rio dif�cil e se transformam em desprezo.

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